burburinho

loucos de amor

cinema por Nemo Nox

Romântico é aquele que coloca a emoção à frente da lógica. Para os mais cínicos, privilegiar a sensibilidade em detrimento do raciocínio é um passo em direção à loucura. Daí expressões como loucos de amor. O filme que recebeu exatamente este nome no Brasil, Loucos de Amor (She's So Lovely, EUA, 1997), dirigido por Nick Cassavetes, dá não somente um passo, mas faz o percurso completo da loucura romântica. A idéia central é curiosa: se o amor enlouquece pessoas sãs, o que pode fazer com quem já é louco?

Loucos de Amor é não somente um filme sobre loucura e paixão, mas também um projeto em família. O roteiro é do pai do diretor, John Cassavetes, morto em 1989, e a viúva do roteirista, Gena Rowlands, aparece como uma psiquiatra. Os dois protagonistas, Sean Penn e Robin Wright Penn, são casados na vida real. E o histórico de loucura, ainda que somente encenada nas telas ou como parte do glamour do show bizz, é vasto em ambas famílias. Os filmes do Cassavetes pai sempre foram pródigos em comportamentos à margem da sanidade, com personagens excêntricos e ensandecidos, e Rowlands quase sempre esteve neles com destaque. Por outro lado, Sean Penn protagonizou incontáveis episódios de rebeldia e violência, principalmente enquanto esteve casado com Madonna e com os flashes de todos os paparazzi apontados para o casal. Frente a tais currículos, Robin Wright aparece tímida, seu parentesco com a loucura limitando-se a ter sido o par romântico do abobalhado Forrest Gump.

O filme chega quase ao tom de fábula, não como num conto de fadas, mas um conto de bruxas, onde todos os personagens têm sérios problemas de adaptação à realidade. Quando a trama parece insustentável por mais tempo e o enredo ameaça chegar perto de um clímax, somos brindados com uma lacônica tela negra informando que dez anos se passaram. Se a primeira parte de Loucos de Amor nos cerca de personagens disfuncionais, a segunda tenta colocá-los em confronto com o mundo racional. O encontro é revelador, pois no filme dos Cassavetes o racional é tão estranho que chega a confundir-se com a loucura. O personagem de John Travolta, que, com sua bela casa e seu grande carro, deveria representar a alternativa lógica de vida, age tão insanamente como qualquer outro do filme. Numa tirada antológica, para citar somente um exemplo, vira-se para a filha adotiva de nove anos e grita: "Cale-se e beba sua cerveja!"

Loucura nas telas sempre fascinou público e crítica. Prêmios importantes como o Oscar atestam isto facilmente, com farta distribuição de estatuetas a personagens lunáticos, de Jack Nicholson em O Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoo?s Nest, EUA, 1974, de Milos Forman) e Dustin Hoffman em Rain Man (Rain Man, EUA, 1987, de Barry Levinson) até Anthony Hopkins em O Silêncio dos Inocentes (Silence of the Lambs, EUA, 1990, de Jonathan Demme) e Geoffrey Rush em Brilhante (Shine, Austrália, 1996, de Scott Hicks). Sean Penn honrou a tradição, e recebeu um prêmio de melhor ator no Festival de Cannes pela sua participação em Loucos de Amor. Não se passa impunemente pelas telas com quatro penteados diferentes e frases como "Você não consegue entender a minha obscuridade. A não ser que tenha visão infravermelha."

Apesar de tanta loucura, não se trata de um filme deprimente ou negativo. Um certo humor negro permeia toda a história, e uma aura de cinismo faz com que o espectador olhe para tudo aquilo com distanciamento divertido. Os mais críticos verão em Loucos de Amor uma denúncia ao absurdo das paixões a qualquer preço. Os mais românticos conseguirão identificar-se com o abandono passional dos protagonistas. De que lado você vai ficar?


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