burburinho

conversa com hernani dimantas

entrevista por Nemo Nox

Qual seria o resultado da mistura de um conceito tradicional como "marketing" e um conceito mais recente como "hacker"? Hernani Dimantas, autor do meme "marketing hacker", responde.

Burburinho - O que exatamente um marketing hacker?
Hernani - O marketing hacker um conceito, uma forma diferente de encarar a relao entre tecnologia, trabalho e negcios. No tem nada a ver com a desgastada idia de marketing em que o objetivo apenas criar artimanhas para a gerao de lucros. O marketing hacker pretende mostrar que a tecnologia tem favorecido um pensamento libertrio e provocado um processo de mutao nos mercados. Este pensamento comeou nas universidades norte-americanas se identifica com a chamada cultura hacker.

A cultura hacker foi impulsionada pela internet. Foram os hackers que criaram a internet, ao promover um meio lgico para a distribuio de idias, conceitos e conversao. O Linux aparece, ento, como um produto desenvolvido por esta forma diferente de pensar e trabalhar. Foi criado num modo de produo colaborativo. E isto rompeu os velhos paradigmas da era industrial.

Neste cenrio em mutao, percebi que o mundo dos negcios no ficou inclume a estas mudanas. As pessoas em rede estavam fazendo a diferena. A anlise de como a sociedade tende a se re-arranjar num modelo catico, interativo e colaborativo o objeto do marketing hacker.

Burburinho - O que caracteriza a nova revoluo dos mercados?
Hernani - Em O Poder dos Mercados, identifico que existe uma migrao do poder, que sempre esteve nas mos das empresas, para as pessoas comuns. Esta migrao aconteceu com o sucateamento das estruturas impostas pela revoluo industrial. O ser humano servia exclusivamente ao capital. No existiam grandes possibilidades de questionamento. Mas a sociedade foi mudando. O sculo passado foi caracterizado por uma sucesso de revolues libertrias. O movimento hippie trouxe um novo paradigma para as relaes das pessoas com as pessoas e com a natureza. Penso que a cultura hacker derivada de todos esses movimentos libertrios, mas conseguiu utilizar essas contribuies e, com novas ferramentas, penetrar nas estruturas constitudas. A cultura hacker come pela beirada e conquista novos espaos. Pela internet as pessoas esto se organizando com muito mais rapidez. Esto conversando umas com as outras, em grupos, em listas, em sites. Muitas esto blogando as suas idias. Isto acontece sem intermedirios, sem editores, sem qualquer forma de represso. Os mercados comeam a sentir a fria reprimida. As pessoas esto mostrando que podem exigir mais, muito mais, neste relacionamento com as empresas. O balano do poder est migrando s pessoas comuns.

Burburinho - A revoluo chegou aos mercados brasileiros? E s empresas brasileiras?
Hernani - A revoluo no tangvel. Eu queria utilizar no subttulo do livro a frase criada por Scott-Heron, "a revoluo no ser televisionada", que evoca algo sutil e silencioso. Uma revoluo que evoca nossos sentimentos mais ntimos, cresce nas nossas fantasias e na nossa vontade de expresso. A revoluo dos mercados , na verdade, um reencontro do ser humano com a sua voz. Esta revoluo no tem tanto a ver com as empresas. Elas no falam, no sentem e no fazem amor. As empresas so instituies frias que acobertam um monto de gente. A revoluo est nas pessoas. A gerncia dessas empresas est acordando para isso. Atualmente, as estratgias de marketing no esto nas mentes dos gerentes. Esta estratgia est nas bocas das pessoas comuns.

Algumas empresas j se atentaram a isso, principalmente aquelas mais prximas dos mercados digitais. Existe uma tentativa de dar vozes aos mercados, mas a contrapartida comercial est focada na comunicao de massa, e esta linguagem conflitante com a arquitetura da rede.

Burburinho - O que o mantra "mercados so conversaes" traz de novo ao marketing?
Hernani - Gostei do mantra! Acho que o maior mrito do meu trabalho ter espalhado essa mensagem do Manifesto Cluetrain, ou seja, os mercados so conversaes, falar barato, e o silncio fatal. A novidade que o Manifesto Cluetrain traz para a comunicao muito bem expressada pelo Eric Raymond, presidente da Open Sources Initiative: "O Cluetrain est para o marketing e para as comunicaes assim como o movimento dos cdigos abertos est para o desenvolvimento de software - anrquico, bagunado, rude e infinitamente mais poderoso do que estas besteiras que se transformaram em sabedoria convencional".

isso que estamos vendo acontecer. Na internet qualquer pessoa pode ser um publisher. As pessoas esto conversando na rede, seja atravs de listas, chats, email, blogs, sites ou qualquer outra ferramenta que possibilite a troca de informao multidirecional entre pessoas. Percebemos que esta conversao traz como resultado a descentralizao da mdia. Pessoas esto conseguindo mostrar as suas opinies de maneira leve e solta, muito distante dos caminhos impostos pela comunicao tradicional. E, de certa forma, essa voz pode ser conquistada po um custo muito baixo. Falar barato. As ferramentas esto disponiveis para o nosso bel prazer.

O silncio fatal. Como disse o Chacrinha, "quem no se comunica, se trombica". Se voc quer aparecer na rede deve falar ou, como diz David Weinberger: "on the Web, to be is to be seen".

Burburinho - Por que princpios como os propostos pelo Manifesto Clue Train parecem ter penetrao to fraca no mundo empresarial?
Hernani - Acho que o Cluetrain tem uma boa penetrao no mercado americano. Pelo menos, a mxima de que o "Cluetrain is basically right" no contestada por nenhum pensador srio. Talvez somente o John C. Dvorak tenha feito uma crtica, que foi rechaada pelas comunidades virtuais.

No Brasil, o livro Manifesto da Economia Digital (Editora Campus), foi muito mal lanado. Diferentemente dos EUA, no Brasil as comunidades online estavam desatentas ao manifesto. Tambm faltou uma interface entre o debate que estava acontecendo nas comunidades e o lanamento do livro. Acho que as empresas insistem na ignorncia dos projetos independentes.

Mas acho que a melhor resposta est no prefcio que a Cora Rnai escreveu para o meu livro: "Se (o Hernani) no foi mais ouvido do que deveria ter sido at aqui, a culpa no dele, mas sim de um paradoxo extremamente perverso. (...) Dimantas se manifesta, bsica e coerentemente, via internet, seu hbitat natural - aquele espao que quem, justamente, mais teria a aprender com ele no costuma freqentar com a assiduidade devida."

Burburinho - O que antes parecia ser uma combinao simbitica entre empresas e consumidores parece ter evoludo para uma situao de conflito, onde grandes corporaes tratam seus clientes como ladres em potencial (como a indstria fonogrfica, por exemplo) e no hesitam em garantir direitos leoninos atravs de lobbies legislativos. Esta histria pode ter final feliz?
Hernani - Bem, essa migrao de poder traz consigo um estresse. As empresas querem vender e querem que seus direitos sejam respeitados ao extremo. Os consumidores, que eu prefiro chamar de pessoas comuns, esto interessados em outras coisas. Eles querem viver as suas vidas com dignidade. Eles querem utilizar as ferramentas disposio para terem mais conforto e suas msicas preferidas... hehehe.

Mas as corporaes enxergam os mercados por trs de uma cortina de ganncia. Querem impor aos mercados seu poder econmico atravs de advogados. A briga pode demorar anos ou dcadas, mas estou seguro que o sistema de copyright no vai continuar leonino por muito tempo. interessante perceber que os mercados caminham na direo da abertura, da colaborao e do copyleft. muito mais interessante para a humanidade poder catalisar as inteligncias por meio de um modelo aberto.

Burburinho - No preciso procurar muito pela internet para esbarrar em conceitos como open source ou p2p file sharing, que parecem estar revolucionando a produo e a distribuio na internet. Qual seria o modelo equivalente para revolucionar a remunerao e garantir que a sobrevivncia de quem produz?
Hernani - Alguns modelos esto sendo propostos, mas so de dficil compreenso pela sociedade. Talvez o sistema mais interessante esteja na doao voluntria. A Amazon tem um sistema chamado Honour System que implica na doao de qualquer quantidade de dinheiro para um site. Est baseado num conceito de reputao. Pois, se voc entende que uma pessoa ou site est te proporcinando um bem-estar, voc, provavelmente, estaria interessado na continuidade deste projeto. Certo?

O Christopher Locke prope o modelo gonzo, que est baseado numa espcie de mecenato, ou seja, incentivar os projetos pessoais atravs de apoio financeiro (apoio a projetos). a nica maneira, nos tempos atuais, de as empresas colocarem seu dinheiro onde as vozes esto.

Algumas pessoas tm conseguido resolver seus problemas financeiros destas formas. Mas, no meu caso, o projeto do marketing hacker amplificador da minha voz. A remunerao resultado das consultorias, dos servios prestados e de muita correria. Espero que o livro seja mais uma forma de remunerao. Deu muito trabalho alcanar meus objetivos de forma independente. Espero que as comunidades digitais entendam essa conquista. E me apoiem.

Burburinho - Que empresas voc citaria como bem afinadas com a revoluo dos mercados?
Hernani - A Macromedia, produtora do Photoshop, do Dreamweaver e de outros softwares, est fazendo um trabalho interessante junto sua comunidade de usurios. Tem promovido um debate interessante e dado vozes s pessoas. Nos EUA, outras empresas, como a Lawson Software, a Corante, a Amazon, tm trabalhado as suas comunidades de forma bastante razovel e afinadas com alguns anseios das pessoas.

No Brasil, no vejo isso acontecer. As empresas ainda no aprenderam que, para conversar com os mercados, elas tm que procurar pelas vozes, tanto internamente como externamente. Acho que as melhores conversaes esto sendo feitas pelo pessoal do terceiro setor. As empresas de um modo geral, mesmo aquelas envolvidas com sofware livre, esto desatentas s mutaes dos mercados. Elas precisam acordar para sobreviver ao futuro.


pensamentos despenteados para dias de vendaval
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