burburinho

conversa com fernanda furquim

entrevista por Nemo Nox

Fernanda Furquim a autora da revista TV Sries, do site TV Sries Centro de Pesquisa, e do livro Sitcoms: Definio & Histria. A conversa foi, claro, sobre sries de televiso.

Burburinho - O que , exatamente, uma sitcom?
Fernanda - uma crnica ou uma caricatura da sociedade. Ela apresenta o cotidiano de um grupo de pessoas (famlia ou amigos) sob o ponto de vista caricaturado.

Burburinho - Por que voc resolveu escrever um livro sobre sitcoms?
Fernanda - Fala-se muito sobre esse termo hoje em dia devido ao sucesso das sries do canal Sony. Muitos jovens estavam tratando o assunto como sendo novidade, algo inventado pelo canal. Queria colocar os pingos nos is e mostrar que o termo pode ter se tornado conhecido agora, mas a produo de sitcoms existe desde que a televiso foi inventada, tendo chegado ao Brasil na dcada de 50. Tambm queria esclarecer que sitcom no so todas as sries, mas um gnero.

Burburinho - E a revista TV Sries, por que acabou?
Fernanda - Basicamente por falta de patrocnio. Quando comecei a revista, procurei por editoras, por anunciantes, por patrocinadores. Todos achavam o trabalho maravilhoso, mas as editoras no acreditavam (como de certa forma ainda no acreditam) no pblico de sries. Elas acham que um pblico segmentado e que no vale a pena explorar. Os anunciantes s querem divulgar em revistas de grande porte, para o pblico infantil ou jovem. Tendo em vista que a revista era para o pblico adulto (abandonado por muita gente em especial na rea de entretenimento) e no era distribuda em bancas nacionalmente (apenas em lojas especializadas no gnero), eles no aceitaram. Disseram que anunciariam quando a revista fosse encontrada em todas as bancas do Brasil. Mas eu no tinha dinheiro para isso. Tambm por falta de dinheiro, tive que arcar com todas as funes da revista: pauta, pesquisa, entrevistas, diagramao, textos, editorao, contatos com terceiros, distribuio e divulgao. Com o tempo o carvo acabou. A revista se pagava com a venda de assinaturas e nas lojas especializadas, mas nunca me sustentou.

Burburinho - Muita gente acusa as sitcoms, de forma geral, de serem extremamente conservadoras. Voc concorda?
Fernanda - Por ser um gnero dedicado toda a famlia (papai, mame, filhos, avs, etc), ela mais censurada que as demais produes. Sempre ser assim, por mais abertura que tenha sido dada ao gnero na explorao de temas tabus como o sexo, por exemplo.

Burburinho - As sitcoms s retratam o que est acontecendo na sociedade ou conseguem discutir temas novos, chegando a influenciar a opinio pblica?
Fernanda - Discutiu e muito, os temas polticos e sociais. Foi nos anos 70, considerados o fim da inocncia. Com o que acontecia nos EUA e no mundo, era impossvel no abordar temas sociais e polticos. A srie Tudo em Famlia foi a pioneira nesses assuntos no gnero sitcom. Ela abriu as portas para outras produes e continua viva atravs de sitcoms como Um Amor de Famlia, Os Simpsons, Titus e outras. Tambm teve a srie M*A*S*H, que criticou e muito o governo americano em plena guerra do Vietn, teve a Mary Tyler Moore, que fez uma abordagem mais suave em relao ao feminismo e condio da mulher madura, solteira e profissional vivendo em uma sociedade machista. Dezenas de outras sries discutiram abertamente os problemas sociais e polticos, em especial o racismo, mas no chegaram ao Brasil. Acredito que seja porque naquela poca o nosso pas vivia uma ditadura, e a censura diria aos meios de comunicao pegou tambm os enlatados americanos. Apenas alguns considerados inofensivos chegaram ao Brasil, as demais sries exibidas na televiso dos anos 70 eram reprises de sries produzidas nos anos 50 e 60. Por milagre, M*A*S*H aterrizou s e salva em plenos anos 70. Mas a censura tambm atingia a dublagem e muita coisa foi suavizada, segundo me contou um dos dubladores da srie.

Burburinho - No seu livro, voc fala de sexualidade, racismo e poltica nas sitcoms. Que sries voc destacaria como importantes em cada um desses temas?
Fernanda - Os assuntos foram abordados em todas as sitcoms j produzidas, mas cada uma de acordo com seu tempo. Muitas produes utilizaram linguagem de duplo sentido. Algumas abordaram as questes de forma folclrica. Mas a partir dos anos 70, elas se tornaram abordagem direta: Tudo em Famlia abrangeu todos esses temas, Mary Tyler Moore abordou a questo do feminismo, Um Amor de Famlia, j nos anos 80, explorou a sexualidade, dezenas de sries desconhecidas no Brasil exploraram o racismo. M*A*S*H ainda a nica representante no que se refere poltica, mas tambm abordou a sexualidade e o racismo.

Burburinho - Para voc, qual a melhor sitcom de todos os tempos? Por qu?
Fernanda - No acho que exista a melhor de todos os tempos, pois cada uma reflete algo interessante na forma como aborda determinado assunto e na forma como explora os roteiros e os personagens. A minha favorita M*A*S*H, pois prefiro sries (em geral) que abordem questes sociais, polticas e de relacionamentos humanos como um todo. No gosto de sries que exploram apenas uma parte de nossas vidas e ignoram o resto.

Burburinho - E das sries recentes, qual a sua preferida? Por qu?
Fernanda - Faz anos que no me torno f de uma srie em especial. Acho os enredos e abordagens atuais muito repetitivos. Para quem estuda o assunto h muitos anos, so claras e cristalinas as adaptaes de enredos e personagens que j existem na televiso desde os anos 50. Para mim, essa foi a poca de ouro da televiso, pois os textos eram novos, a explorao das relaes humanas e sociais era feita de forma mais inteligente e criativa, pois tinham que burlar a censura. Nesse caso, uma das minha sries favoritas Cidade Nua (srie policial). As sries mais atuais das quais me tornei f so Contratempos e Rumo ao Sul, pelos textos inteligentes e sensveis, pela explorao inteligente dos personagens e do enredo de cada episdio. Muito deles j batidos, mas a forma como abordaram foi muito interessante e criativa. Os dilogos eram muito bons e o desenvolvimento dos personagens parecia ser mais importante que a prpria histria do episdio. Gosto disso.

Burburinho - E no Brasil, o que temos ou tivemos de bom em sitcoms?
Fernanda - O Brasil no tem tradio de produzir sries. Um dos nossos problemas que no investimos numa programao ecltica. Preferimos nos acomodar na mesmice. A dramaturgia televisiva est restrita a novelas, programas humorsticos e a mini-sries (que ganharam novo flego nos ltimos anos, mas que j se tornaram mini-novelas). Cad os telefilmes, as sries e os desenhos animados? Temos capacidade para produzir nessas reas tambm, mas no o fazemos. Apenas as mini-sries so abordadas, mas de forma ocasional. Quando uma srie termina o que vem no lugar? Com certeza no outra srie. Agora, com o sucesso crescente das sries na televiso a cabo, emissoras como a Globo querem tirar o atraso. Mas a demora em se decidir por temas e produo tanta, e por falta de experincia no assunto, acaba desapontando quando a produo exibida. Tivemos A Grande Famlia, primeira verso, nos anos 70. Era uma sitcom, mas o pblico de hoje jamais vai conhec-la porque as emissoras brasileiras no reprisam sua programao, em grande parte porque ela foi destruda (por acidente ou de propsito, para reaproveitamento de fita). A Grande Famlia de hoje est sendo produzida na obrigao de se tornar um sucesso, e por isso no est dando certo. Os Normais boa, mas j me encheu por explorar apenas o sexo. Existem muitos outros assuntos a serem explorados na relao homem e mulher, alm do sexo. Por no haver reprises, no cheguei a conhecer a programao de sries brasileiras dos anos 50 e 60, ento no saberia avaliar. Pelo que li a respeito de Al Doura, a primeira verso, me parece ter sido uma boa sitcom, embora no houvesse personagens fixos. A TV Pirata tinha um quadro que era uma espcie de sitcom de cinco minutos, Famlia Pinto. Na minha opinio, O Bem Amado ainda a melhor srie brasileira j produzida (prefiro temas politcos e sociais), e no uma sitcom.


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