burburinho

quando o rock namora com seus ancestrais

msica por Ayrton Mugnaini Jr.

Esta matria comeou graas a Rod Stewart. Pergunte "quem Rod Stewart" a pessoas diferentes em pocas diferentes e as respostas tambm sero diferentes, incluindo: "um ex-coveiro escocs que se encheu de grana e hoje vive mergulhado em usque e louras", "um roqueiro que comeou imitando Sam Cooke e depois imitou cada gesto de Mick Jagger", "um baita cantor de rock que gravou at com Jeff Beck" e "o Emlio Santiago do rock, agora s grava canes antigonas". De fato, Rod Stewart j est no terceiro volume da srie The Great American Songbook, reunindo clssicos da chamada Era de Ouro da msica popular norte-americana - antes da exploso do rock and roll nas paradas em 1954 -, e sempre com sucesso.

"Ah, todo roqueiro quando fica velho cai no blues, jazz ou cano antiga", dizem muitos - mas no o caso de Rod. "Estas so as msicas com que eu esquentava a garganta antes de ir para o palco cantar Maggie May, diz Rod no encarte do primeiro volume da srie. De fato, ningum pode acusar Rod de velho ou oportunista: basta tirar a poeira de Truth, seu primeiro LP como vocalista de Jeff Beck (1968), e ouvir sua bela interpretao de Ol' Man River, do mesmo perodo atualmente preferido por Rod, e que s no entraria nesta srie The Great American Songbook por no ser cano de amor ou declarao musical de otimismo.

No podemos esquecer que este tipo de msica, ao lado do blues e do country, parte integrante das origens do rock and roll. Quase todos os grandes roqueiros da primeira gerao gravaram clssicos pr-rock, transformando-os em rock ou no, como Elvis (Blue Moon), Jerry Lee Lewis (By The Light Of The Silvery Moon), Little Richard (Baby Face), os Platters (Smoke Gets In Your Eyes), Brenda Lee (Pretty Baby), Gene Vincent (Ain't She Sweet)...

Na chamada segunda gerao do rock, Paul McCartney e Pete Townshend so apenas dois filhos de msicos de big bands e portanto versados em msica pop pr-rock. Uma boa porcentagem dos sucessos dos anos sessenta so regravaes de sucessos das dcadas de dez a quarenta: Dream A Little Dream Of Me com Mamas & Papas, Summertime com Janis Joplin, Try A Little Tenderness com Otis Redding, Temptation com os Everly Brothers, Deep Purple com Nino Tempo & April Stevens (por sinal, muitos de vocs devem saber que foi desta msica que Ritchie Blackmore tirou o nome de sua banda mais famosa), You'll Never Walk Alone com Gerry & The Pacemakers, Georgia On My Mind com The Uniques, I'm Henry The Eighth I Am com Herman's Hermits, Everybody Loves Somebody com Dean Martin, The More I See You com Chris Montez... Sem falar nas pardias e/ou homenagens nostlgicas de grupos como os Kinks (Mr. Pleasant e muitas outras), Bee Gees (Craise Finton Kirk Royal Academy Of Arts e Turn Of The Century, que diz "vou comprar uma mquina do tempo / ir para a virada do sculo / tudo est acontecendo / na virada do sculo"), Beatles (When I'm Sixty-Four, Your Mother Should Know, Honey Pie), Monkees (Magnolia Simms), New Vaudeville Band (Winchester Cathedral), trazendo os anos vinte e trinta para os anos sessenta (inclusive visualmente, com calhambeques Ford de bigode, ternes de gangster, penteados femininos la garonne, capas de discos art deco, etc).

Em 1970, a separao dos Beatles j foi notcia bombstica o suficiente, com seus quatro integrantes lanando LPs solos bem diferentes entre si e do estilo do prprio grupo: o de Ringo foi nada menos que Sentimental Journey, onde se revelou pioneiro de Rod neste sentido, reunindo clssicos pop pr-rock. verdade que Ringo, excelente intrprete de country-rock, saiu-se apenas bem razoavelmente interpretando msicas mais sofisticadas como Night And Day e Sentimental Journey - "gravei este disco pra minha me", desculpou-se ele. Mas o recado foi dado: boa msica como bom vinho, no tem prazo de validade - mas, ao contrrio de vinho, no deve ser avaliada pela safra. Se o rock and roll j havia entrado em sua primeira onda de nostalgia em 1968, agora o gnero passava a valorizar suas razes danantes de 1954 para trs - at bem para trs, como provaram os revivals de ragtime e do foxtrote, tipificados por filmes como Golpe de Mestre e O Grande Gatsby. Dois artistas mestres em modernizar este tipo de msica nos anos setenta foram o ingls Bryan Ferry e o norte-americano Harry Nilsson. Foi graas carreira-solo do cantor do Roxy Music que muita gente nova conheceu Smoke Gets In Your Eyes e These Foolish Things, e Nilsson, ele mesmo autor de baladonas no estilo, tambm gravou um LP inteiro somente de clssicos autnticos, A Little Touch Of Schmilsson In The Night, inclusive usando o arranjador Gordon Jenkins, que trabalhou com Frank Sinatra e outros.

E hoje em dia, alm de Rod Stewart, quem mais se dedica a este tipo de msica? Este que vos escreve lembra-se neste instante dos ingleses Rick Astley (j h um certo tempo, verdade, reeditando de uma vez s a disco-music e a cano pr-rock com When I Fall In Love), Robbie Williams (ex-Take That), Elvis Costello (que at gravou um CD em dueto com Burt Bacharach) e Alan Clayson (jornalista e msico dedicado a pesquisar as origens da cano moderna), alm de boas surpresas ocasionais como a cantora Bjork fazendo um cover dos mais fiis de It's Oh So Quiet, sucesso de 1951 com a atriz e cantora Betty Hutton.

Enfim, a mensagem final a de que msica no deve ser vtima de "idadismos"; longe de ser coisa de velho, a msica pop de antes do rock and roll ainda e sempre vale ser ouvida. E, ao menos na opinio deste que vos escreve, bem melhor ouvir Rod Stewart interpretando prolas como The Way You Look Tonight e Stardust que breguices como Da Ya Think I'm Sexy ou Hotlegs. Ah, sim: Rod nem precisava fazer o que fez neste terceiro volume, apelar para duetos com Cher, Dolly Parton, Eric Clapton ou quaisquer outros, mas esta outra discusso.


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