burburinho

o primeiro planeta dos macacos

cinema por Nemo Nox

A macacada comeou com um livro. Em La Plante des Singes (O Planeta dos Macacos), publicado em 1963, o escritor francs Pierre Boulle, o mesmo de A Ponte do Rio Kwai, contava a aventura de um casal do futuro que, em viagem de frias, encontra um manuscrito numa garrafa flutuando em pleno espao sideral.

Segue-se uma histria dentro da histria, e o manuscrito nos oferece um relato sobre o planeta do ttulo, onde smios de todos os tipos so a raa dominante, com humanos num papel de animais pouco inteligentes. Boulle reserva uma pequena e divertida surpresa para o final do livro, mas o tom geral de pardia swiftiana: mostrar o exagero fantasioso para criticar a realidade social.

O roteirista Rod Serling, criador de sucessos da televiso como The Twilight Zone (Alm da Imaginao), seguindo a sugesto de uma produtora pequena, King Brothers, esboou um roteiro para uma adaptao cinematogrfica do livro de Boulle. O diretor Blake Edwards, recm-sado do sucesso de Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's), tambm mostrou interesse pelos macacos. Mas a grandiosidade da produo, cujo oramento foi estimado em cerca de cem milhes de dlares, um absurdo para a poca, acabou por espantar a todos.

Fiel ao original de Boulle, o roteiro de Serling inclua uma megalpole de estilo novaiorquino, com grandes edifcios e muitos automveis, porm habitada por macacos. O produtor Arthur P. Jacobs entusiasmou-se com a idia, mas percebeu logo que era necessrio um corte radical nos custos. Pediu a Serling que reescrevesse o roteiro, eliminando tudo que fosse dispendioso mas no essencial para a histria. Depois de vrias verses, acabaram chegando ao modelo de uma sociedade smia mais primitiva, com tecnologia limitada, o que reduzia o oramento de forma considervel.

Ainda na tentativa de cortar gastos, mais mudanas no roteiro foram solicitadas. Rod Serling deixou de acreditar que alguma vez aquele projeto se tornasse realidade, e um novo roteirista foi chamado para a tarefa. Michael Wilson, que j havia trabalhado em outra histria de Pierre Boulle, A Ponte do Rio Kwai, voltou a introduzir elementos satricos em O Planeta dos Macacos, reaproximando-o do livro original e deixando de lado alguns aspectos da fico-cientfica de Serling.

O projeto passou por vrios grandes estdios e foi oferecido a vrios diretores, mas ningum parecia disposto a arriscar-se na empreitada. At que entrou em cena Charlton Heston, interessado em ser o protagonista do filme. Com um nome de peso como Heston (astro de grandes sucessos da poca como Os Dez Mandamentos e Ben-Hur), as coisas comearam a ficar mais fceis para o projeto e Richard Zanuck, da 20th Century Fox, resolveu apostar na idia.

O passo seguinte, fundamental para o sucesso do filme, era criar uma maquiagem verossmil para os macacos. Vrias experincias foram feitas, incluindo um teste com o consagrado Edward G. Robinson, o primeiro ator escalado para o papel do orangotango Zaius. Mas foi somente com a entrada de John Chambers na equipe de maquiagem que as coisas comearam a tomar sua forma definitiva. Chambers criou mscaras divididas em vrios pedaos de uma substncia esponjosa que era aplicada sobre o rosto dos atores. Com a segmentao da mscara, era possvel obter movimentos faciais mais realistas. O sacrifcio, porm, no foi evitado. A preparao de Kim Hunter, por exemplo, para que se transformasse na chimpanz Zira, levava cerca de quatro horas. Maurice Evans, que acabou por ficar com o papel de Zaius, ganhou um focinho que o impedia de falar corretamente, e teve que ser completamente dublado em estdio. Roddy McDowall, intrprete de outro chimpanz, Cornelius, chegou a emagrecer quatro quilos em uma semana de filmagem. Alm do calor provocado pela iluminao sobre as roupas pesadas e a maquiagem, havia tambm o problema da alimentao: enquanto estivessem maquiados, s podiam tomar sucos atravs de canudinhos. Todo este esforo foi recompensado. Chambers criou macacos que at hoje so convincentes e acabou recebendo um Oscar honorrio por seu trabalho em O Planeta dos Macacos.

Foi Charlton Heston quem sugeriu o nome de Franklin J. Shaffner para dirigir o filme. Com somente quatro ttulos no currculo, nenhum deles um estrondoso sucesso, Shaffner revelou-se uma bela escolha. Dois anos depois do sucesso de O Planeta dos Macacos, faria Patton, filme que lhe garantiu o Oscar de melhor diretor.

O Planeta dos Macacos foi finalmente lanado em 1968, e agradou a todos os tipos de pblico, desde os entusiastas da fico-cientfica e dos efeitos especiais, maravilhados com a civilizao smia e com a trama instigante, at os crticos mais preocupados com o contedo, que viam no filme uma parbola sobre a sociedade da poca e as tenses raciais.

O sucesso de O Planeta dos Macacos deu origem a inmeros subprodutos, a maioria muito aqum da qualidade do original. Foram quatro continuaes para a grande tela, duas sries de televiso, uma em desenhos animados, histrias em quadrinhos, novelizaes dos filmes, lbuns de figurinhas, bonecos e outras quinquilharias. Em 2001, Tim Burton (o mesmo de Batman e Edward Scissorhands) dirigiu uma nova verso cinematogrfica, a qual recusou-se chamar de continuao ou de refilmagem - para ele tratava-se de uma "reimaginao". As opinies do pblico e da crtica foram divididas, alguns se deliciando com as novas possibilidades oferecidas pela tecnologia digital e por uma esttica mais sombria, outros lamentando a falta de solidez do roteiro, especialmente na parte final. Talvez o maior inimigo desta nova verso seja exatamente a qualidade do primeiro filme. E, claro, seu final arrepiante: o encontro revelador com a Esttua da Liberdade semi-enterrada na praia, momento inesquecvel do cinema de fico-cientfica.


pensamentos despenteados para dias de vendaval
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