burburinho

a filosofia na alcova

teatro por Nemo Nox

O clebre Marqus de Sade, Donatien Alphonse Franois, nasceu em Paris em 1740. Seus escritos chocaram na poca, chocaram depois, e ainda hoje continuam a chocar muita gente. E era este, sem dvida, o objetivo do marqus, chocar para derrubar barreiras. Porque s sem elas poderamos ser realmente livres. Como disse Apollinaire: "Sade, o esprito mais livre que j existiu". Ironicamente, se o esprito voava em liberdade, o corpo mortal passou trinta anos em prises francesas.

Sade alternava perodos de libertinagem e encarceramento. Em 1768, foi preso por espancar uma jovem enquanto proferia obscenidades. A moa no gostou e apresentou queixa. Em 1772, o marqus organizou uma orgia com seu criado e vrias prostitutas. Aps tomarem excessivas doses de afrodisacos, elas pensaram que tinham sido envenenadas e apresentaram queixa que incluia sodomia e prticas homossexuais de Sade com o criado. O marqus fugiu ento para Itlia, no sem antes seduzir a cunhada, que era freira e abandonou o hbito para escapar com ele. Episdios como este repetiram-se exausto, com a sogra de Sade intervindo vez por outra para abrandar a sentena.

De priso em priso, Sade vai escrevendo suas peas, inicialmente apenas libertinas, mas com o tempo assumindo um carter cada vez mais poltico. Apesar de ser um nobre, adere Revoluo Francesa (nada como ser vtima das autoridades para juntar-se oposio). O ttulo pesa, porm, e Sade acusado de ser moderado demais, escapando da guilhotina graas queda de Robespierre. Continua publicando seus textos, mas a nova ordem moral da Frana de Napoleo Bonaparte avessa libertinagem e l vai o marqus novamente para a priso. Finalmente, enviado para o hospcio de Charenton ( mais cmodo fazer dele um caso mdico que um problema legal), onde passa a encenar suas peas tendo os internos como elenco. em Charenton que morre, em 1814.

A Filosofia na Alcova foi lanada em 1795. A pea mostra a educao sexual da jovem Eugnie de Mistival, tendo como mestres Madame de Saint-Ange e Dolmanc, dois dos personagens mais depravados da histria do teatro. Participam tambm outros personagens, como o jardineiro e o irmo de Saint-Ange. As "lies" incluem todos os tipos de prticas sexuais, com demonstraes prticas sempre coroadas por orgasmos filosficos, j que durante todo o tempo os personagens dialogam no s sobre sexo mas tambm sobre assuntos como religio, poltica e direito. Um deles chega a ler, num intervalo da orgia, trechos do panfleto Franceses, Mais um Esforo se Quereis Ser Republicanos, do prprio Sade.

Basicamente, A Filosofia na Alcova uma apologia liberdade individual, levando o conceito ao extremo onde qualquer crime ou pecado pode ser justificvel com base no prazer, desdenhando toda e qualquer restrio social. As atividades sexuais desenrolam-se livremente no palco, da simples masturbao ao elaborado sexo grupal. A crueldade tpica das obras de Sade (o termo "sadismo" no se cunhou toa) aparece no final da pea, com a aluna Eugnie revelando-se uma dominadora perversa e torturando sexualmente a prpria me.

Como A Filosofia na Alcova traz de tudo um pouco, acaba servindo mais de livro de cabeceira de libertinos (cada um traando seu limite onde se sentir mais confortvel) que como material para o palco (com o sexo explcito incomodando atores convencionais e a filosofia atrapalhando os porno-stars). E exatamente aos libertinos que a pea dedicada:

"Voluptuosos de todas as idades e sexos, somente a vs que ofereo esta obra; alimentai-vos dos seus princpios; eles favorecem as vossas paixes; e essas paixes, de que os frios e inspidos moralistas pretendem afastar-vos, so apenas os meios que a natureza utiliza para levar o Homem a compreender as intenes que ela tem a seu respeito; escutai apenas estas deliciosas paixes; s a sua manifestao vos deve conduzir felicidade."


pensamentos despenteados para dias de vendaval
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